Os Livros da Minha Vida, por Dulce Andrade, professora de Inglês

A surpresa do convite para a escrita deste texto encontrou-se, face a face, com esta realização: a de que seria perto de impossível escolher O Livro da Minha Vida. Depois de tornar comum esta minha preocupação, que foi prontamente aquietada, organizei as ideias que aqui partilho.


Deixando fora desta conversa a fase do Livro em Branco, e esse sim, plasmou muitos momentos da minha vida, percorri as minhas estantes, e caixotes, e mesa de cabeceira, e quase desanimei, tal foi a quantidade e riqueza de livros que revisitei. Questionei-me: “É possível ter saudades dos livros?” A resposta parece-me óbvia, agora que penso nisso. Se não vejamos: em miúda, quando lia As Aventuras dos Cinco, The Famous Five originalmente, de Enid Blyton, mal podia esperar pela próxima aventura… conhecia cada um dos cinco aventureiros como se fossem meus vizinhos… Esta ligação ainda se mantém! De muitos livros que li, muitos são as personagens às quais regresso, mais cedo ou mais tarde. Vou precisar este afeto com um exemplo que poderá ser complexo, porém, perfeito. Um dos livros que vive muito perto de mim foi escrito pela britânica Virginia Woolf e tem por título Orlando, que constitui, também, o nome da personagem que é, afinal, mais do que uma personagem. A escrita é maravilhosa, tendo como cenário vários séculos, através dos quais Mr. Orlando ou Lady Orlando se movem. Confuso? Verão que é brilhante! Trata-se de um romance que gerou controvérsia no momento de publicação - 1928 - e, se possível, devem lê-lo no original, ou seja, em inglês.

Do autor Haruki Murakami, aprecio, de modo particular, todas as histórias que li, por nelas encontrar uma riqueza imaginária insuperável, a meu ver, em termos de personagens. Podendo parecer contraditório, a voz que se ouve em muitas das suas histórias parece a mesma. Fica o convite para descobrirem como este aparente paradoxo é possível em histórias como Kafka à Beira-Mar, Crónica de um Pássaro de Corda e Em Busca do Carneiro Selvagem.

Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares, João Tordo são escritores portugueses que leio com a frequência com que escrevem sobre a condição humana, radiografando as nossas ambições e desilusões com a preocupação de quem escreve para semear, no leitor, a consciência daquilo que somos e podemos vir a ser.

Crónica de uma Morte Anunciada ou Ninguém Escreve ao General são contos de Gabriel Garcia Marquez que, entre contos de outros escritores precedentes da América Latina, marcaram quem eu sou. As personagens de Gabriel Garcia Marquez transportam consigo a complexidade do ser humano, nas suas contradições, nas falhas de comunicação, mais poderosas que o entendimento em si, no abandono, no sacrifício a favor do próximo, merecendo, por isso, a nossa atenção. Se o dia a dia não nos dá a oportunidade de reconhecer, nos outros, o que faz de nós humanos, essa descoberta pode ser ensaiada nas personagens dos Livros.

Como já devem ter dado conta, a minha paixão recai sobre o dom que o escritor tem sobre o papel, não tanto sobre este ou aquele livro, se bem que para um leitor apaixonado, tudo pode acontecer.

O Livro é paciente pelo que espera pelo leitor os dias, meses, anos que entendermos necessários, até que as nossas mãos e coração os acolham e se dê início à fabulosa viagem que, podendo ser interrompida quando necessário, não tem destino certo e guarda, seguramente, ensinamentos preciosos, ainda que não percetíveis no imediato.

Por tudo o que escrevi aconselho: Acolham um livro. Um qualquer. Com imagens. Com letras a perder de vista. Com cinquenta páginas. Com vários volumes… em formato tradicional… em suporte digital… em português… com vinhetas… em prosa… com rima…