Vídeo da semana.






"Invention of Love" de Andrey Shushkov






Em Invention of Love (A invenção do amor), um casal vive uma história de amor num mundo triste, onde tudo à sua volta são máquinas, exceto algumas flores. E durante a projeção do filme fica uma pergunta no ar: qual o espaço para o amor?

O diretor russo, Andrey Shushkov, realizou  Invention of Love  entre 2009 e 2010, na  Saint-Petersburg University of Culture and Arts.

Andrey Shushkov nasceu em 1986, em 2005 começou estudar cinema em São Petersburgo, onde descobriu a sua paixão pelo cinema de animação.
 
 
 
 

Boas festas!




A equipa da biblioteca da Escola Básica e Secundária Tomás de Borba deseja a todos um
Feliz Natal e Próspero Ano Novo.


História do dia



                                                 Feliciana, a Lebre Ilusionista

A lebre Feliciana era ilusionista. Admiram-se? Então porquê?

Se há pombos que são correios, cães que são pastores, vacas que são leiteiras (diz-se ou não se diz ?uma vaca leiteira"?), bichos que são carpinteiros (diz-se ou não se diz ?bichos carpinteiros"?), porque não há-de haver lebres que sejam ilusionistas?

Pois. Mas esta lebre não era de circos. Preferia trabalhar sozinha, numa clareira da floresta, transformada pela numerosa assistência bicharal em pista de espectáculos circenses.

Vinham todos e até a toupeira, tão fraca da vista, se estarrecia, na primeira fila, com as artes mágicas da lebre Feliciana.

- Destas artes e manhas não sei eu... - confessava a raposa, que nunca perdia uma matiné.

- E ainda bem que não sabes - comentava, ao lado dela, a galinhola. - Porque se soubesses não havias de tirar bom partido da arte...

- Schiu! - irritavam-se os espectadores da frente. - Deixem actuar o artista.

E valia a pena ver. Da cartola da Feliciana, colocada em cima da mesinha tem-te-não-caias, saíam fieiras de lenços, presos uns aos outros, quando há bocadinho para lá tinham entrado um por um e todos deslaçados.

- Desconfio que ela mete um rato dentro do chapéu, o rato Fosquinhas, que ata os lenços uns aos outros num abrir e fechar de olhos - observava de senho carregado o javali.

- O rato Fosquinhas sou eu - respondia-lhe uma voz do meio do público. - Sou eu e garanto-lhe que nunca me meti no chapéu de ninguém.

- São artes mágicas que só ela sabe - concluiu a coruja, que para estas coisas nunca fechava os olhos.

Sim, só a lebre sabia e por isso das suas artes tirava bom proveito. Onde aprendera? Como aprendera? Isso era mistério que a Feliciana não desvendava. A um artista ilusionista não convém fazer grandes revelações acerca das suas habilidades.

Mas, quando começava a época da caça, a lebre, por razões óbvias, não conseguia vender muitos bilhetes. Os bichos refugiavam-se nas suas tocas, e por mais que a Feliciana anunciasse que o espectáculo não sofria interrupções nem havia que temer motivos imprevistos, a bicharada preferia ficar em casa. É que andavam os ares muito turvos, muito pesados, e cheirava a pólvora a milhas de distância.

Ela não desistia. E mesmo que o único espectador visível fosse o rato Fosquinhas, a lebre Feliciana, na sua clareira, com a cartola em cima da mesa treme-treme, não desistia do espectáculo.

Havia, no entanto, quem gostasse de apreciar as habilidades da lebre de borla, escondido nos matagais à roda da clareira. Era o caçador forunfunfor, triunfunfor...

Nessas alturas, ao aproximar do perigo, o rato Fosquinhas dava o sinal, fugindo a sete pés, e a lebre Feliciana, num salto cheio de elegância, mergulhava para dentro da cartola.

Perdiam-se no ar os tiros e, quando o caçador, ainda atarantado da presteza da lebre, metia a mão na cartola, julgando trazer a lebre presa pelas orelhas, vejam só o que lhe saía em sorte... Uma fieira de lenços e bandeirinhas, como se fosse um arraial...

 
Por António Torrado e Cristina Malaquias,
12 de dezembro de 2009

Se quiseres ouvir a história clica aqui.





Poema da semana





A menina que veio do fundo do mar


tinha colado ao rosto um espanto sem medo

e uma densa manhã de mistério e de névoa

fluctuava nos restos do vestido de renda



a menina ondulava na crista vagarosa

tinha nas mãos de pedra ainda um sonho ileso

e entre a rocha e o abismo o corpo rosa

entre a gaivota e a anémona estava preso



por quatro deuses de fogo que em fluidez colhiam

com as foices de fogo trespassadas de tempo

a morta-flor surgida entre os naufrágios

como um véu entre a noite e o pensamento



na manhã sub-lunar era branca a memória

e da margem oposta à qual somos estranhos

um selo inviolável cobre a morta

para sempre apagando o nome aceso





Madalena Férin in A Cidade Vegetal
 

Vídeo da semana.



"D. Afonso Henriques O Conquistador"


Vamos conhecer a vida e os feitos do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques.Vídeo animado com argumento e realização da autoria de Pedro Lino, resulta de uma parceria conjunta entre o Museu de Alberto Sampaio e a Câmara Municipal de Guimarães e foi desenvolvido no âmbito das Comemorações dos 900 Anos do Nascimento do primeiro monarca português.




História do dia.


                                        
Sape, Cão!

Era uma vez um cão com dono...


Era uma vez um gato sem dono...

- Quem vem lá? - pergunta o cão, de focinho no ar, a farejar, a farejar...

Claro que esta pergunta a fez ele muito antes de tudo isto começar - aí a uns duzentos metros desta história.

O gato não tem o faro tão apurado, mas os olhos dele atravessam a distância e pressentem sombras e ameaças, que só ele conhece. Por acaso, desta vez, o gato não ia a olhar para onde devia. Era um gato distraído. Ou míope.

Quando se lhe eriçaram os bigodes, já era tarde. À sua frente, de supetão, um cão cãozarrão, voz de trovão... Que aflição!

Foge!

Antes que lhe dissessem, já ele tinha fugido. As patas iam à frente, e ele com elas. Tal como nos filmes de desenhos animados.

Este filme é curto. Acaba numa árvore sem frutos, sem folhas, uma árvore mesmo a propósito para salvar gatos.

Correu por ela acima e não deu por que subia. Nem que fosse um pinheiro gigante, um mastro, um muro de castelo. Nem que fosse a Torre Eiffel... De unhas-canivetes-picaretas, com a pressa atarantada em que ia, o gato até era capaz de trepar à Lua, se houvesse escadas para lá chegar.

Ficou-se pelo cimo da árvore. Deu por isso quando lhe faltou o apoio. Sobravam-lhe forças para muito mais lances.

- E agora? - perguntou, lá de acima, o gato, engolindo ar.

Ele era preto, como o corvo da fábula, enquanto o cão, mal acomparado, fazia as vezes da raposa. Faltava apenas o queijo. E a manha.

- E agora? - perguntou de novo o gato, mais seguro do seu poiso.

- Agora fico à espera que a árvore dê frutos e os frutos caiam de maduros... - rosnou o cão.

Se nos ficássemos por aqui, esta história não chegava ao fim, o que era pena. Temos nós, portanto, de acrescentar o mais importante da fábula.

Sim, porque isto é uma fábula, a do cão, animal doméstico, e do gato, animal vadio... As conclusões, vocês que as tirem.

- Piloto! - chamou uma voz ao longe.

O cão Piloto fingiu que não era com ele.

- Estão a chamar-te, Piloto. Tens de ir - aconselhava-lhe, do seu poleiro, o gato. - Sempre ouvi dizer que os cães são muito obedientes.

- Piloto! - repetiu a voz, mais perto e mais impaciente.

O cão rosnou, levantou os traseiros e voltou a sentar-se.

- Piloto, venha já ao dono! - gritou a voz ameaçadoramente perto.

E o Piloto, de cabeça baixa, lá foi, suspirando...

Se quiseres ouvir a história podes clicar aqui!


Por António Torrado e 
Cristina Malaquias,
7 de dezembro de 2009


O Natal já chegou à nossa Biblioteca!



Já é Natal na nossa Biblioteca.



A professora Maria Ana Simões e os alunos das turmas, 8º1, 8º2, 8º3, OPIIIA, OPIIIB, OPProf.A/E e OPProf.B/E imaginaram e prepararam o nosso pinheirinho de Natal.


Reutilizaram folhas de jornais, moldaram flores que depois pintaram.


O resultado está à vista.



Os nossos sinceros parabéns pelo resultado final... adorámos!


Poema da semana


Autogénese



Nascitura estava

sem faca nos dentes

cómoda e impura

de não ter vontade

de bater nas gentes.



Nasce-se em setúbal

nasce-se em pequim

eu sou dos açores

(relativamente

naquilo que tenho

de basalto e flores)

mas não é assim:

a gente só nasce

quando somos nós

que temos as dores;



pragas e castigos

foram-me gerando

por trás dos postigos

e um fórceps de raiva

me arrancou toda

em sangue de mim.



Nascitura estava

sorria e jantava

e um beijo me deste

tu Pedro ou Silvestre

turvo namorado

do verão ou de outono

hibernal afecto

casca azul do sono

sem unhas do feto.



Eu nasci das balas

eu cresci das setas

que em prendas de sala

me foram jogando

os mulheres poetas

eu nasci dos seios

dores que me cresceram

pomos do ciúme

dos que os não morderam;



nasci de me verem

sempre de soslaio

de eu dizer em junho

e eles em maio

de ser como eles

às vezes por fora

mas nunca por dentro

perfil de uma estátua

que não sou de frente.



Nascitura estava

e mais que imperfeita

de ser sorte ou dado

que qualquer mão deita.



Eu nasci de haver

os bairros da lata

do dedo que escapa

dos sapatos rotos

da fome que mata

o que quer nascer

e que o sábio guarda

em frascos de abortos;



eu nasci de ver

cheirar e ouvir

dum odor a mortos

(judeus enlatados

para caberem mais

mas desinfectados)

pelas chaminés

nazis a sair

de te ver passar

de me despedir

de teus olhos tristes

como se existisses.



Nascitura estava

tom de rosa pulcra

eu me declinava

vésper em latim:

impura de todos

gostarem de mim.





Natália Correia in O Vinho e a Lira
 

O vídeo da semana...




"O incrível rapaz que comia livros"

                                               de Oliver Jeffers


Tal como muitas crianças, o Henrique adora livros. Mas não exactamente como nós adoramos livros…Um dia, o Henrique descobre este estranho apetite, que se transforma numa mania constante e deliciosa! E eis a melhor parte: quanto mais livros devora, mais esperto fica. Até que um dia as coisas começaram a correr mal…Uma história sobre o prazer da leitura, com um grafismo tão tentador que já houve quem não resistisse a dar uma dentada na contracapa!








História do dia


                                O Papagaio do Restaurante

Imagem retirada da net

Era um papagaio muito esperto. Tudo o que ouvia imitava. E até o que não ouvia?

Tinha poiso no restaurante do senhor Albano, um modesto restaurante do bairro, sem nada de especial, salvo o papagaio. À sua conta, o palrador atraía a clientela, que vinha de longe só para ouvir-lhe as habilidades.

-Como te chamas?

Tratava todos por tu. Não era um papagaio de cerimónias. O visado respondia, por exemplo:

-Manuel.

E logo o papagaio rimava:

- Pastel.

Ou caso fosse:

- Manuela.

O papagaio rimava:

- Rodela de morcela.

Ou:

- Agostinho.

- Copo de vinho.

Sempre que fosse rima de comer ou de beber, o senhor Albano servia.

- Somos sócios - explicava o senhor Albano, muito contente com o negócio dos comes e dos bebes.

Mas não eram. E porque não eram, o papagaio gostava de pregar-lhe partidas.

Uma vez, um cliente, que precisou de ir à casa-de-banho e ia abrir a porta respectiva, ouviu uma voz dizer:

- Está gente.

O senhor recuou e esperou. Esperou o mais que pôde e mais não podendo foi dar conta da sua necessidade noutro sítio.

Outra pessoa com vontade de ir à casa-de-banho e a mesmo voz a avisar:

- Está gente.

O caso repetiu-se, a ponto de o senhor Albano se intrigar. Ele próprio foi ter à porta da casa-de-banho.

- Está gente - respondeu a voz.

O senhor Albano não se conformou e abriu a porta. Como se calcula, o papagaio era o responsável. Agarrado pelo pescoço, teve de ouvir das boas do dono:

- Eu te dou a gente, papagaio de uma figa torta.

- Mão morta, mão morta, vai bater àquela porta - respondia o papagaio, muito esganiçado.

Passados dias, a mesma coisa. Alguém com precisão inadiável e a porta da casa-de-banho fechada.

- Está gente - diziam, de dentro.

Minutos depois, novo truz-truz e a mesma voz a anunciar:

- Está gente.

O senhor Albano desconfiou e também ele bateu:

- Está gente - foi a resposta.

- Isso é que não está - disse o senhor Albano, atirando um ombro à porta que, por sinal, estava fechada à chave.

- Está gente - gritou um indignado protesto, do outro lado.

Novo encontrão, a porta cedeu e o senhor Albano entrou, de repelão. Afinal, desta vez, estava mesmo gente, logo, para mais, uma senhora?

- Ah, desculpe que foi engano! - exclamou, atrapalhado, o dono do restaurante.

O papagaio, que a tudo assistira, escondido atrás de umas pipas, riu que se fartou.

Ou não se fartou, porque daí em diante, por tudo e por nada, gritava:

- Albano foi engano - e largava uma risada daquelas amalandradas, de rebentar com os nervos a um santo, quanto mais a um Albano, dono de um tasco de comes e bebes. O que ele barafustava:

- Palavra que, um dia, perco a cabeça e meto-te na panela.

- Perdias clientela - gritava o papagaio.

- Deixo-te a cozer!

- Ficavas a perder?

- Com batata às rodelas!

- Depois é que eram elas?

- Sal, azeite ou margarina?

- Ficavas na ruína! Ficavas na ruína!

- Servido com presunto?

- Albano sem bestunto!

- E salsa bem picada?

- Sem mim não eras nada!

- Sabias a galinha.

Neste ponto, o papagaio eriçava-se todo e gritava:

- Galinha, qual galinha?! A minha carne é minha! A minha carne é minha!

E voava assarapantado, deitando ao chão tudo o que estivesse nas prateleiras do restaurante. Nessas ocasiões, o senhor Albano, avaliados os estragos, também não se ficava a rir.

Fora estes arrufos, davam-se os dois muito bem.

                                                                                            Por António Torrado e Cristina Malaquias, 29 de novembro de 2009

Fonte: daqui


Poema da semana




O mar da minha vida não tem longes.

É tudo água só! E o horizonte

Funde-se no céu. Por sobre a ponte

Marcha, sinistra, a procissão dos monges.



Velas acesas, opas, ladainha,

E o rio deslizando para o mar…

E vêm as raparigas à tardinha,

Buscar a água à fonte, sem cantar.



Ermida branca no monte,

Nossa Senhora da Paz…



Peregrino voltei sem ser ouvido.

Rasguei meus pés pelo caminho ido.

Ai, a calma de tudo quanto jaz

No frio esquecimento! Sobre a ponte,

A procissão caminha. Sob o arco,

Singrou, sereno, um barco

A caminho do mar…

Ó perdida visão da minha Ânsia!

Vejo-me só, na lúgubre distância,

Cadáver dos meus sonhos a boiar…





Armando Côrtes-Rodrigues in Antologia de Poemas
 

O vídeo da semana...



"Os fantásticos livros voadores do Senhor Lessmore"

                                                                      de William Joyce


Uma animação profundamente sensível da vida que os livros ganham e carregam. Vida e leitura transitam juntos atravessando a existência daqueles que lidam com eles e os deixam pousar em si mesmos e que se encantam em lhes dar vida, seja pela leitura ou pela escrita.




História do dia




                                                   Uma História do Teotónio

O maior aventureiro da nossa rua é o senhor Teotónio. Correu mundo e gosta que saibam.


- Não ficou nenhum cantinho por conhecer - costuma ele gabar-se, quando fazemos roda à sua volta.

- Esteve na Índia? - pergunta um de nós.

- Sete vezes - responde ele.

- E na China?

- Outras tantas - responde o Teotónio.

- Conhece o Japão?

- Como os meus dedos.

- Então conte-nos uma aventura sua no Japão - pedimos.

- Hoje não, que não tenho paciência - responde-nos o senhor Teotónio, a fingir que se levanta e que se vai embora.

Nós insistimos. Ele faz de conta que não quer contar e passamos assim que tempos, neste jogo. Até que levamos a nossa a melhor. Levamos sempre.

- Estou a recordar-me de um naufrágio por que passei, de uma vez que vinha do Japão - começa ele.

É uma história do Teotónio. Verdade ou mentira ele que responda.

Segundo o seu contar, vinha do Japão, como marujo, num navio mercante, quando se lembrou de que tinha prometido à madrinha um quimono. A senhora que fazia tanto gosto no roupão de seda bordada e ele que se esquecera da encomenda. Não podia voltar atrás o navio, mas podia ele.

Às escondidas, baixou um escaler e abandonou o barco.

Depois, remou, noite e dia, dia e noite, tudo por causa do quimono da madrinha.

Que dedicação de afilhado!

Mas levantou-se uma tempestade e o barquinho a remos, que ia a passar pelo meio de uns ilhéus, sacudido de um lado para o outro, foi embater nuns escolhos e desfez-se. Por pouco que não se desfez com ele o senhor Teotónio.

Muito abalado, conseguiu nadar até à praia de um dos ilhéus, onde, exausto, se deixou adormecer.

Acordou, tempos depois, com uma esquisita sensação de aperto. Uns enormes olhos fitavam-no e ele estava nas mãos de um gigante. O senhor Teotónio viera ter à ilha dos temíveis Carantões, uma ilha lendária que todos os marinheiros japoneses temem.

A carantonha que o segurava nos dedos era uma gigante ainda pequenina, uma menina gigante. Para ela, o senhor Teotónio equivalia a um boneco achado na praia.

Ele não podia dar parte fraca. Fez-se de borracha e exibiu um risinho rígido de boneco japonês. Nessa qualidade, passou a confraternizar com os outros brinquedos da menina carantonha.

Mas aquilo não era vida. Ser despido e vestido pela carantonha, embalado e lavado, pendurado de pernas para o ar e atirado ao chão, sem cerimónia, não se tolerava.

Eram humilhações demais para um aventureiro.

Decidiu fugir. Num barco de brinquedo, quase do tamanho do escaler em que naufragara, fez-se ao mar, à hora da sesta da sua tutora e carcereira. De bagagem, levava um quimono, surripiado à menina.

- Ó Teotónio, mas este quimono está-me enorme! - disse-lhe, tempo depois, a madrinha, que até era bastante avantajada de corpo. - Tu julgas que eu sou alguma gigante ou quê?

Não valia a pena explicar à madrinha os perigos e sacrifícios por que passara para lhe trazer aquele roupão de mangas larguíssimas. Talvez até ela o tomasse por mentiroso.

Nessa não caímos nós.

Poema da semana




Maroiço


Mar…oiço



Eu oiço o mar

e do maroiço, espreito o mundo

e sinto com a imaginação

pedras, pedrinhas e pedregulhos

rolados, virados e levantados

pela vida sofrida

de tanta gente



E se Ulisses passou por aqui

ainda não havia maroiço

mas já soprava uma epopeia de

pedra

a haver

nas veias do homem do Pico



Moroiço é obscuro e pedregoso

Maroiço é monumento e claridade

e dele brotam pinheiros e outras

ideias

e uma tremenda vontade

em não ser derrubado.



Manuel Tomaz (2012), Ponto Cardeal, n.º 5, p. 10
 


Atividade comemorativa do nascimento do patrono da nossa escola.


  A equipa da Biblioteca convidou os alunos do pré-escolar a conhecer Tomás de Borba, patrono da nossa escola. Os alunos ouviram uma história contada pelo educador Mário Rego, "A ovelhinha que veio para jantar " e cantaram músicas infantis acompanhados à guitarra pelos professores José Sousa e Pingo Grapiuna.
  Recebemos a visita dos alunos da Escola Básica e Secundária Tomás de Borba, Escola do Pico da Urze e Colégio de Santa Clara.







"A  ovelhinha que veio para jantar"



História do dia



Grande Pintora


- A minha sobrinha pinta papagaios?


- De papel? - perguntei eu.

- Não. Pinta papagaios de penas. Maravilhosamente - respondeu o meu amigo. - Se quiseres, hoje mesmo, passamos pelo atelier dela.

Fomos. O atelier da sobrinha do meu amigo parecia uma enorme gaiola. Esvoaçantes ou empoleirados em tudo o que lhes apetecia, araras, periquitos e, já se vê, papagaios davam-nos as boas-vindas, piando e palrando.

A pintora não estava, mas o meu amigo, que tinha a chave do atelier, movia-se naquele recorte de selva tropical com o à-vontade de um índio amazónico.

- E os quadros dela sobre esta passarada toda, onde é que estão? - perguntei.

O meu amigo não sabia ou fazia de conta que não sabia. O melhor era esperar pela pintora.

Entrementes, um papagaio com as cores da bandeira nacional simpatizou comigo, poisou-me no ombro e pôs-se-me a coçar ternamente a cabeça.

Despedi-me do meu amigo e combinei, para uma próxima, nova visita ao atelier da sobrinha. Mas aconteceu um percalço. O papagaio não me largava o ombro.

- Não o contraries e leva-o - disse o meu amigo. - Depois se verá?

Uma pessoa com um papagaio ao ombro chama sempre a atenção. Muito envergonhadamente, percorri o caminho até casa, perseguido pelo olhar de estranheza de quem se cruzava comigo.

E, como se não bastasse, o papagaio cantarolava, incansavelmente: ?Ó Rosa arredonda a saia". Não passava disto, o que seria sinal de uma certa saudade da dona, a pintora Rosa, imaginava eu. Quanto a ele, fica combinado que passamos a tratá-lo por Arco-Íris.

Assim que cheguei a casa, abri as janelas. Talvez lhe desse vontade de voar, ao encontro da sua querida Rosa?

O Arco-Íris voar, voava, mas saindo por uma janela e entrando por outra e poisando no meu ombro e soltando-se do meu ombro e saindo pela janela e entrando, sempre a cantarolar: ?Ó Rosa arredonda a saia".

Fui sentar-me junto à mesinha do telefone. Tão concentrado eu estava, à espera do prometido telefonema, que nem dei por que tinha começado a chover. E logo as janelas todas abertas?

Passados uns minutos, um bicharoco encharcado e cinzento, cor de rato, fincou-me as patas nos ombros. Dei um salto de susto.

O bicharoco abriu as asas e gritou:

- Ó Rosa arredonda a saia.

Não era possível. Outro papagaio, este cinzento, a cantar a mesma cantiga?

Já calculam o que se passou. O Arco-Íris, com a molha, perdera as cores radiosas da bandeira nacional.

Perdera-as porque, simplesmente, não lhe pertenciam. Pintado, pena a pena, pela sobrinha do meu amigo, o Arco-Íris revelava-se, afinal, um vulgar papagaio descorado.

Quando contei a história ao meu amigo, ele riu-se:

- Bem te avisei que a minha sobrinha era pintora de papagaios. Uma grande pintora!

Em conclusão: fiquei dono de um papagaio cinzento, que ninguém percebe por que bizarria ou tolice é que eu o trato por Arco-Íris.



Sugestão de leitura




E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos?

Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?

               José Saramago  em a   "Maior Flor do Mundo"


Escritor do mês



António Lobo Antunes



O mês de novembro é dedicado à obra do autor António Lobo Antunes nascido em Lisboa, em 1942.


Estudou na Faculdade de Medicina de Lisboa e especializou-se em Psiquiatria.


Os primeiros livros são marcadamente biográficos, e estão muito ligados ao contexto da guerra colonial;


Todo o seu trabalho literário, com o passar dos anos, tem sido utilizado para os mais diversos estudos académicos, nomeadamente, as suas crónicas inseridas em inúmeros manuais escolares de diferentes níveis de ensino.


Descobre tu também este autor polifacetado, de escrita sagaz e de apurado sentido crítico do Portugal contemporâneo.



História do dia



O Senhor Frutuoso Inventor


O senhor Frutuoso é um grande inventor. Entre máquinas e maquinetas da sua particular invenção tem em casa para cima de uma centena.


Juntem-lhe as máquinas e maquinetas que outros inventores, de diversos pontos do mundo, lhe enviam e imaginem como será a casa do senhor Frutuoso, com tantos maquinismos a trabalhar.

Uma barulheira que só ouvindo. Tlim, tcham, pung? Poc, poc, poc? Bié, bié, bié? Bong! Tuque, taque, tique, tuque? Tuque, taque, tique, tuque? A história podia ser toda assim, embora talvez fosse um pouco cansativa.

- Tudo preciosidades - costuma dizer-me o senhor Frutuoso, quando vou visitá-lo e ele me encaminha pelos salões e corredores da sua casa, cheios de vitrines e de prateleiras, carregadas de inventos.

- Repare-me neste prodígio que me mandaram pelo correio - diz-me o senhor Frutuoso, acabando de desembrulhar diante de mim uma enorme encomenda.

- É um bonito relógio de parede - digo eu.

O senhor Frutuoso indigna-se:

- Isto não é num relógio de parede. É um invento fantástico de um ilustre correspondente meu do Brasil, o doutor Janísio Bisnaga Filho, não sei se conhece?

Por sinal, não conheço, mas isso pouco importa.

- Explicou-me o meu amigo Janísio por carta que este relógio tem um mostrador e três ponteiros. Um para as horas, outro para os minutos e o terceiro sabe para quê?

- Naturalmente para os segundos.

- Nada disso. O terceiro é para anunciar o tempo - proclama, entusiasmado, o senhor Frutuoso.

Não se percebe onde está o espanto, porque, tanto quanto sei, todos os relógios anunciam o tempo.

- Não é esse tempo, mas o tempo que vai fazer - impacienta-se o sábio.

- Ah! Anuncia as horas com antecedência? - estranho eu.

- Refiro-me ao tempo atmosférico, o tempo meteorológico, entendeu? Este relógio, além de dar horas, informa-nos, com vinte e quatro horas de antecedência, sobre o tempo que vamos ter, no dia seguinte.

Finalmente, o senhor Frutuoso conseguia fazer-me entender. De facto, o relógio, tal como os barómetros, tinha à roda do mostrador várias indicações: chuva, aguaceiros, tempo variável, bom tempo, etc. Não tinha ?etc.", já se vê, mas percebe-se?

O senhor Frutuoso deu-lhe corda e o relógio começou a trabalhar num tic-tac certinho e cumpridor. Reparei que o terceiro ponteiro apontou para as palavras ?Tempo quente". Ainda bem.

No dia seguinte, fiado no invento do Doutor Jasmínio Bisnaga Filho, saí de casa à fresca. Pois apanhei uma chuvada e uma friagem que não queiram saber. ?Afinal o relógio também se engana", pensei e nunca mais quis saber do caso.

Só há dias, quando tive de telefonar ao senhor Frutuoso por outros assuntos, é que voltei a lembrar-me do caprichoso relógio de parede. Do lado de lá, o senhor Frutuoso atendeu-me, com a voz fanhosa das grandes constipações.

- Estou assim por causa do relógio - explicou. - Tenho-me guiado pelo conselhos dele e não calcula as chuvadas e resfriamentos que suportei, nestes últimos dias. Passa-se qualquer coisa no funcionamento do aparelho, que não entendo. Atchim!

O sábio a espirrar e uma ideia a trespassar-me a cabeça de lado a lado. Botei-a logo cá para fora:

- Se o relógio veio do Brasil, não estará ele regulado para outro clima diferente do nosso? - perguntei.

Fez-se silêncio do outro lado do fio. Depois, o senhor Frutuoso voltou à fala:

- Tem razão, tem toda a razão. O relógio diz que está bom tempo e tempo quente, mas é no Brasil, onde foi montado. Seja como for é um grande invento. Atchim!

E o senhor Frutuoso desligou apressadamente o telefone, para poder assoar-se mais à vontade.





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Poema da semana



(forma 2)



a mel e medo o meu passo avança devagar à

porta entreaberta da noite. mergulhado em

silêncio, alguém respira. e eu a mel e medo

encostada à porta possível da noite. porta

entreaberta ou porta de notícias e recados e

corpos por escrever.



porta de mel e medo e de passos devagar.

Judite Jorge in Setembro e outras estações


Poema da semana






Amanhecer




Pedras negras, brancas, água nas poças.

Garajaus estridentes, musicais!

Sargos, salemas no musgo do cais…

Fulgurantes raios em gotas moças.



Cheira a seiva no silvado das roças.

Morre o farol, guia do arrais.

Prematuros ruídos nos casais,

São Jorge de fumo, montes às bocas.



É Verão nos Terreiro às mãos cheias,

Traineiras no canal, pontos distantes,

Ceifando o pão salgado em suas veias.



Púrpura, roxo, o Pico em seus mirantes!

Cambiantes, cor, bufos de baleias.

Deleite! Felicidade em instantes!



Jorge Silveira

Terreiros – Ilha de São Jorge

Poema da semana





841




Agora, diz-me que não consegues ver o mundo daqui.



A cegueira dos vizinhos, os gritos na cozinha, todas

as pequenas luzes que se acendem perto

onde dois homens se reúnem em seu nome;

os placards, os outdoors, os néons,

todas as palavras que não souberam inventar;

a ponte, a estrada, o bilhete que diz

que ninguém dormirá hoje em casa

e o pedido de desculpas do farmacêutico à mulher

pelo fármaco para as dores

de ter de ser.



O planeta que lamentamos não chegar a ser nosso está

certamente

a lamentar-se de outra coisa qualquer.

Porque é que te interrogas? Porque é que ainda

te debruças sobre as lutas que não foste lutar? Há

duas coisas esquecidas na mesa-de-cabeceira

do teu quarto da infância:

a infância e

o dossier com o projecto para aquilo que sonhavas crescer.



Que importa, agora, a parede e o papel de parede

com que forraste a vontade de ser outra coisa?

Os arqueólogos conduzirão as suas investigações e

os astronautas dir-te-ão como pareces do espaço.





No papel de carta da carta que nunca escrevi

ninguém poderá ler o que quer que seja.

E mesmo assim haverá alguém

todos os dias

à espera dessa carta

à espera de uma carta concreta

dizendo coisas concretas

destinadas, especialmente,

a ela.



De que vale, então, escrever?

Que coisas mudariam se fosses tu junto a uma daquelas luzes

e não tu aqui, agora, a olhá-las?



Alguém se debruça à janela e logo

irrompe adentro e

fecha a vidraça

e ecoa um breve toque de metal pela noite.



Se espera uma carta,

ao menos envie o endereço.

O meu é fácil:

Heartbreak Hotel

ao teu lado

quarto, 841,

donde se avista o mundo possível.





Alexandre Borges, in Heartbreak Hotel, 2005



Vitorino Nemésio


Fala do Malmequer



Malmequer às vezes digo

Ao Romeu, por arrelia,

Que, de resto, eu sou amigo

Da verdade, crua e fria.



Ama-o, -sei; porque é comigo

Que a Julieta cicia

Confidências, num abrigo

De Silêncio e Fidalguia.



E, quando ela me procura,

Diz assim minha brancura:

Bem-me-quer (seja! a contento!)



E o estame ao ver o escabelo

Das pét’las, só, amarelo,

Não acredita, escarnento.



Vitorino Nemésio


Encontram-se disponíveis na Biblioteca os seguintes títulos do autor:







História do dia



Só Um Dia



O dia nasceu enfarruscado. A pesada manta de nuvens cobria o céu todo, sem deixar de fora sequer uma nesga de azul. Devia ser do frio.


As pessoas iam à sua vida, encafuadas nos seus pensamentos, sem a sombra a acompanhá-las. Faltava a luz do Sol.

- Que dia tão feio - disse alguém.

O dia, que poucas horas tinha de vida, amuou e fez beicinho. Choramingou. Choveu.

- Já cá falta a chuva? - disse mais alguém, chapinhando na lama. - Que dia horrível.

O dia sentiu-se e, ofendido, mais carrancudo se pôs. E protestou, em forma de trovoada.

Trovejou e choveu que tempos. Depois de muito ter barafustado, o dia cansou-se. Pararam chuva e trovões. Foi um alívio. Ficou o ar lavado e a terra encharcada e contente.

- Há dias piores - disse alguém.

Não era um elogio, mas para aquele dia, que ainda não ouvira uma palavra amável, soou a elogio. Com um suspiro reconfortado, deixou que uma brisa desvanecesse as nuvens. Começaram a desenhar-se as sombras atrás das pessoas.

- Ainda vamos ter um lindo dia? - disse alguém.

O dia abriu-se num sorriso que rasgou o céu de par em par, muito azul, muito luminoso.

Brilharam as ervas e as folhas ainda molhadas.

- Que dia maravilhoso - diziam as pessoas umas para as outras.

O dia também era da mesma opinião. Mas de si para si comentou: ?Como as pessoas são inconstantes. Ora dizem uma coisa ora dizem outra. Não as entendo".

Pois era. Para entender as pessoas um dia não bastava?


Se quiseres ouvir a história, clica aqui.



Novas edições já disponíveis na tua biblioteca:


Para os mais novos:

Kathy é uma menina de dez anos, alta e loirinha, que reside na California. Um dia sonhou conhecer os Açores. O Pai fez-lhe a vontade, Kathy tornou-se uma turista nas nove ilhas dos Açores!





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