Mia Couto na Escola Básica e Secundária Tomás de Borba


             Na sexta-feira, dia 6 de maio de 2016, pelas 10h00, o já nosso conhecido jornalista e escritor terceirense Joel Neto entrevistou o biólogo e escritor moçambicano Mia Couto no Auditório António Dacosta, na Escola Básica e Secundária Tomás de Borba. Esta iniciativa, promovida pela Direção Regional de Educação, era dirigida a toda a comunidade escolar e foi transmitida em direto online, para toda a região autónoma. 


Escritores Mia Couto e Joel Neto
             Mia Couto disponibilizou-se a participar neste encontro e a responder também a questões colocadas pelos alunos do 3.º Ciclo e do Ensino Secundário das escolas dos Açores. 
             Assim, todos os alunos foram convidados a assistir e a formularem questões a Mia Couto sobre a sua vida e obra, para serem colocadas ao escritor moçambicano por Joel Neto.
              A Biblioteca Escolar organizou uma exposição sobre a vida e obra de Mia Couto e alguns dos livros escritos por este autor, que aqui se podem encontrar, e que podia contribuir para informar os alunos e ajudá-los na formulação das suas questões. 

Aluno questionando o escritor Mia Couto
            Após a entrevista realizada pelo jornalista escritor terceirense Joel Neto a Mia Couto, o escritor moçambicano e a sua comitiva visitaram com agrado a Biblioteca da nossa escola, tendo falado com professores, alunos e funcionários, mostrando interesse pela exposição, pelos livros, pelo trabalho desenvolvido e pelo quiosque onde os alunos efetuam o preenchimento do Formulário Estatístico. 
                Este acontecimento constituiu uma experiência única e enriquecedora, que muito contribuiu para o conhecimento deste autor da Língua Portuguesa e da sua obra.








A Equipa Dinamizadora da Biblioteca

Resultados dos Concursos da Biblioteca Escolar


            Durante este ano lectivo, decorreram, semanalmente, os concursos “Afinal, como é?” e “Morde a Língua”, que contaram com a participação, regular ou esporádica, de um total de 150 concorrentes.
Estes concursos consistiram na publicação semanal de questões relacionadas com o domínio da língua portuguesa.
Os participantes pertencem a todos os anos letivos, com exceção do 10.º. Os vencedores do concurso “Afinal, como é?” foram Leonor Raimundo, do 5.º 4, e Fernando Veríssimo, do 6.º 3, em ex aequo. Do concurso “Morde a Língua”, os vencedores foram Leonor Raimundo, do 5.º 4, Madalena Santos, do 6.º2, André Neto, do 8.º4, Teresa Melo, do 8.º4 e Tiago Ribeiro, do 12.º1.
A entrega de prémios foi feita na Biblioteca Escolar, no dia 25 de maio de 2016, quarta-feira, pelas onze horas, e contou com a presença de uma das Vice-Presidentes do Conselho Executivo, Professora Hélia Santos.
A Equipa Dinamizadora da Biblioteca Escolar agradece a todos os participantes e felicita os vencedores.

Os Prémios

Leonor Raimundo

Fernando Verissímo

Madalena Santos

André Neto

Teresa Melo

Tiago Ribeiro


O novo expositor da Biblioteca

     Neste 3.º Período, a Biblioteca Escolar passou a dispor de um expositor original: uma Burra de Milho, realizada em cana de bambu.
        A ideia foi concebida pela Coordenadora da Biblioteca Escolar, Professora Madalena Correia, tendo a maqueta sido construída pelas Professoras Isabel Fernandes e Vitória Novais, da Equipa Dinamizadora da Biblioteca Escolar. A realização esteve a cargo dos Assistentes Operacionais Emanuel Cardoso e Domingos Sousa.
      O novo expositor será utilizado para divulgar os trabalhos dos alunos e foi imediatamente inaugurado para expor as capas dos livros escritos por Mia Couto, na exposição organizada sobre a sua vida e obra, aquando da visita deste autor moçambicano à nossa escola.






A Equipa Dinamizadora da Biblioteca Escolar

Storytelling - Hora do conto



  No dia 18 de maio, pelas 13 horas e 30 minutos, na nossa biblioteca escolar, realizou-se mais uma “hora do conto”. A docente Júlia Fernandes (storyteller) contou uma história em língua inglesa, The Tortoise and the Hare, aos alunos da turma B do 3.º ano, acompanhados pela docente titular Filomena Lima, e da turma B do 4.º ano acompanhados pela docente de Inglês, Elisabete Tavares.
  Esta iniciativa teve, também, lugar no dia 24 de maio, pelas 11horas, na EB1/JI Professor Maximino Fernandes Rocha (Terra Chã). A história, The city mouse and the country mouse, foi contada em inglês pela docente Elisabete Tavares aos alunos da turma C do 3º ano, acompanhados pela docente Júlia Fernandes.
  A hora do conto é sempre um momento de grande emoção e criatividade que deleitou quem teve a oportunidade de estar presente nesta iniciativa.

Dia 18/05/2016

Dia 18/05/2016

Dia 24/05/2016



A Equipa dinamizadora da biblioteca

II Concurso “Palavras com História”



A Rede Regional de Bibliotecas Escolares promoveu pelo segundo ano consecutivo o concurso «Palavras com História» destinado aos alunos do ensino básico das escolas da Região.
O júri, constituído por docentes da Rede Regional de Bibliotecas Escolares, do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas da Universidade dos Açores e pela diretora da Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, após avaliação dos textos concorrentes, procedeu à seleção dos melhores trabalhos dos 1º, 2º, 3º e 4º escalões.
Foram avaliados trezentos e nove textos escritos, distribuídos da seguinte forma: sessenta e nove do primeiro escalão; cento e setenta e quatro do segundo escalão; setenta e seis do terceiro escalão; e dezassete do quarto escalão, originários de todas as ilhas da Região, exceto da ilha Graciosa.
Este concurso conta com o apoio exclusivo da Plátano Editora que edita os cartazes e faculta os prémios.
A EBS Tomás de Borba esteve muito bem representada pelo aluno André Neto da turma 4 do 8º ano que conquistou o 2º lugar nesta segunda edição. Relembra-se que na primeira edição deste concurso o André Neto alcançou o primeiro lugar do seu escalão. Mais uma vez, Parabéns André, e votos de continuação de um ótimo sucesso.


Os trabalhos premiados, de acordo com o regulamento do concurso, foram os seguintes:
1º Escalão
1º Lugar – Inês Martins, do 3ºF da EBI de Rabo de Peixe
2º Lugar – Inês Picanço, do 4º6 da EBI Francisco Ferreira Drummond
3º Lugar – Maria Pereira, do 3ºA da EBI da Praia da Vitória
4º Lugar – Rodrigo Nunes, do 4ºF da EBS de Calheta
5º Lugar – Rogério Veiros, do 4ºF da EBS de Calheta
2º Escalão
1º Lugar – Clara Rocha, do   6ºN da EBI Roberto Ivens
2º Lugar – Luana Quadrado, do 6ºB da EBS de Santa Maria
3º Lugar – André Carvalho, do 5ºA da EBS de Santa Maria
4º Lugar – Carolina Frias, do 6ºB da EBS de Nordeste
5º Lugar – Laura Resendes, do 5ºD da EBI da Praia da Vitória
3º Escalão
1º Lugar – Valéria Gomes, do 8ºA da EBS da Madalena
2º Lugar – André Neto, do 8º4 da EBS Tomás de Borba
3º Lugar – Carla Santos, do 7ºB da ES de Lagoa
4º Lugar – Margarida Cordeiro, do   8ºA da EBS da Madalena
5º Lugar – Pedro Amaral, do 8ºB da EBS de Santa Maria
4º Escalão
1º Lugar – Marta Rosa, do 9ºA da EBI Francisco Ferreira Drummond
2º Lugar – Ana Ávila, do 9ºC da ES Jerónimo Emiliano de Andrade
3º Lugar – Gabriel Pavão, do 9ºC da ES Jerónimo Emiliano de Andrade
4º Lugar – Por deliberação do júri, não foi atribuído

5º Lugar – Por deliberação do júri, não foi atribuído

"Vamos Pintar a Poesia"





      Na Biblioteca Escolar, se começámos bem o ano letivo, vamos acabar ainda melhor. Como? Pintando a Poesia!
         É verdade! A partir de segunda-feira, 23 de maio de 2016, poderás apreciar, na Biblioteca da nossa escola, a exposição de trabalhos dos teus colegas que, orientados pelo Professor Francisco Martins, decidiram pintar a Poesia, segundo a técnica do cadavre exquis.
         Quando se juntam duas artes – a Pintura e a Poesia, o resultado só pode ser uma excelente experiência sensorial e intelectual. E é para tirares proveito desta experiência, que os teus colegas quiseram partilhar com toda a comunidade escolar, que te convidamos a visitar-nos.
         Esperamos por ti! Podes também trazer os teus amigos!




Gaivota

 Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.


 Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.


Alexandre O’Neill




Teatro de Boneca

A menina tinha os cabelos louros.
A boneca também.
A menina tinha os olhos castanhos.
Os da boneca eram azuis.
A menina gostava loucamente da boneca.
A boneca ninguém sabia se gostava da menina.
Mas a menina morreu.
A boneca ficou.
Agora também já ninguém sabe se a menina gosta da boneca.




E a boneca não cabe em nenhuma gaveta.
A boneca abre as tampas de todas as malas.
A boneca arromba as portas de todos os armários.
A boneca é maior que a presença de todas as coisas.
A boneca está em toda a parte.
A boneca enche a casa toda.


É preciso esconder a boneca.
É preciso que a boneca desapareça para sempre.
É preciso matar, é preciso enterrar a boneca.


A boneca.
A boneca.


Carlos Queirós




Emblema

Rio de fumo e incontido cio,
barco à deriva, em meio do escuro,
corpo a apodrecer, antes tão macio,
alma tão gentil, sem haver futuro

Ratos nos porões, sexuado rio,
grito ao deus-dará, estupro contra o muro,
brando e doce olhar, dentro tanto frio,
doce caminhar, frágil, não seguro

Tanto bem sonhado, tudo tão vazio,
noiva que sorri, luto prematuro,
planos a fazer, vidas por um fio

sonho a apodrecer, só porque foi puro,
tanto caminhar, onde é só desvio,
tanto sol a arder, tudo tão obscuro

Eugénio Lisboa




O AMOR EM VISITA

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.

Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.

Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.

E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.

- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.

Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.

Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.

Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.

Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.

Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.

As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.

Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

Herberto Helder
                             

A Equipa Dinamizadora da Biblioteca Escolar